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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Até quando, Incitatus?

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O Estado Democrático e de Direito permite ao administrador público a prática de dois atos, quanto à intensidade da subordinação à legalidade estrita, a saber: vinculados ou de discricionariedade vinculada ao sistema. Aos atos discricionários deve ser aprofundado o controle, cobrando-lhe a congruência na motivação de fato e de direito, à semelhança daquela exigida dos atos judiciais, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil (artigo 93, inciso IX). Assim, a diferença entre atos vinculados e discricionários reside na maior ou menor intensidade de vinculação ao princípio da legalidade, daí porque não se admite, por exemplo, revogar ato vinculado.

Malgrado isso, o secretário de Administração e Finanças do Município de Jaraguá do Sul parece desconhecer o elementar princípio da legalidade inserto nos artigo 37 caput e 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República Federativa do Brasil quando diz, em alto e bom tom, aos meios de comunicação: em relação aos aprovados no concurso público de 2007, que não irá nomeá-los e, se quiserem, que procurem seus direitos na justiça; em relação aos servidores públicos concursados e nomeados, que estão em atividade, diz que há 200 dentro da prefeitura que não fazem absolutamente nada; e, ainda, em relação ao terminal urbano, deslembra completamente a legalidade da obrigação assumida pela concessionária com a municipalidade (leia-se população de Jaraguá do Sul) de construir um terminal urbano, dentre outras coisas, em local já devidamente desapropriado para tal finalidade.

Queremos lembrar ao senhor secretário que, no primeiro caso, está o administrador público obrigado a cumprir a lei, pois se trata de concurso público e os aprovados devem ser obrigatoriamente nomeados. No segundo caso o que temos é, novamente, um violento abalroamento e atropelo à Constituição da República, ao ferir o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III) ou seja, se a prefeitura tem três mil servidores, aproximadamente, enquanto o senhor secretário não disser quem são os que não fazem absolutamente nada, a pecha de vagabundos ele jogou, de modo inexorável, sobre todos. Eu, como cidadão, e os próprios servidores, temos o direito de saber quem são os 200 que levam essa pecha. Inclusive o Sindicato de classe desses servidores (SINSEP) tem por obrigação acionar judicialmente o secretário, na defesa da dignidade dos seus associados, pois não é crível que um administrador público ofenda o corpo funcional da prefeitura e fique impune.

E, em terceiro lugar, a emenda vai sair pior que o soneto: além de não exigir o cumprimento da obrigação assumida pela concessionária nos termos do artigo 175 da Constituição da República, o secretário ainda, en passant, vai cometer um crime gravíssimo contra a população, o patrimônio público, o esporte e o lazer, ao determinar a demolição do Ginásio Arthur Muller para construir um “novo terminal urbano”. Se isso ocorrer, no dia em que a obra for concluída já não se prestará ao fim colimado, já que até mesmo o mais desentendido em administração pública sabe que aquela área não só é insuficiente para albergar o terminal pretendido, como não irá atender à demanda, face ao crescimento acelerado de nossa comuna. E tornará o nosso trânsito ainda mais caótico.

O que está faltando à nossa cidade são administradores públicos à altura da grandeza de seu povo trabalhador, e com visão de futuro, pois a miopia na gestão da coisa pública, além de tanger às raias da sesquipedal incompetência, para dizer o mínimo, parece estar acima da Constituição da República. O título do texto não é sem propósito, uma vez que desde a Roma Antiga os maus administradores fazem história, a exemplo do Imperador Calígula (12 a 41 d.C) que teve a desfaçatez de nomear senador seu cavalo que atendia pelo nome “Incitatus” e, como tal, tinha direito a uma toga senatorial da cor púrpura, aposentos de mármore e serviam-lhe aveia numa bacia de ouro.

Airton Sudbrack
(advogado e assessor jurídico do CDH de Jaraguá do Sul)
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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Mensagem de final de ano aos Companheiros do PT

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Airton Sudbrack

Queridos Companheiros e Camaradas,

É chegada a hora de voltarmos os olhos ao nosso derredor e contabilizarmos o arar a terra, o cultivo e a semeadura que se levou a efeito em 2009. Sem esquecermos que o sucesso da nossa colheita política, social e econômica depende não somente do cuidado diário com a plantação, sua irrigação, mas, também, com as ervas daninhas que afloram a todo tempo para minar nossa labuta. E termos conosco sempre o sentimento de desprendimento, de doação, de entrega, pois o segredo do verdadeiro sucesso nesta nossa caminhada reside em termos consciência que a sociedade que queremos é um “vir a ser”, onde nada mais somos que parte do processo que já vai longe a data em que se iniciou graças a entrega, dedicação e luta de outros companheiros.

Esse é o sentimento do verdadeiro socialista, não ter a coisa “para si”, mas “aportar à coisa em si para toda a humanidade”, uma vez que o que nos faz diferentes é esse construir para todos, para os que nos sucederão na caminhada rumo à consecução do novo mundo, que se avizinha, na medida em que temos como princípio fundante de nossa existência o firme propósito de transformarmos nossos sonhos em realidade objetiva.

E é nesse clima de fraternidade, de irmandade, que perpassa essa data natalina e de fim de ano que quero dizer aos companheiros que o segredo também está em mantermos esse sentimento no curso dos trezentos e sessenta e cinco dias do ano de 2010, pois revolução é sinônimo de construção desconstruindo o velho para edificar o novo sem perder de vista que esse processo é sempre em “devenir”, pois não só temos que questionar constantemente o mundo que “é”, mas, sobretudo, construir o mundo que “virá ser”, “que deve ser” e “como deve ser” aproveitando o material já existente dentro de uma compreensão como já ensinava Heráclito de Éfeso, nos idos de 510 A.C: através de sua máxima panta rhei, que significa "tudo flui", "tudo se move", exceto o próprio movimento. E exemplificava, dizendo que não podemos entrar duas vezes no mesmo rio porque, ao entrarmos pela segunda vez, não serão as mesmas águas que estarão lá, e a mesma pessoa já será diferente. E isto é tão certo quanto vivemos num eterno conflito entre opostos, pois as contradições são inerentes à sociedade humana e a sua superação é nosso desafio.

Temos que ter presente sempre que o mito da neutralidade, já dissecado pela teoria sociológica, sem compromissos alienadores, é apenas uma máscara solene do adesismo, enquanto se recusa a ver e a proclamar a ilegitimidade das prepotências – com o que revigora a dominação crua, por outro lado, recusando-se a qualquer iniciativa tendente a alterar o status quo.

Mudar a sociedade não se opera de modo algum sem antes entendermos que a verdadeira revolução, a mudança, começa em nós, em nosso dia-a-dia, em nossas pequenas atitudes e por exercitarmos nosso sentimento de fraternidade e humanidade para com os demais seres humanos independentemente da nacionalidade e pertençam a que classes pertençam e tenham a cor que tenham; e, sem olvidar, o efetivo exercício do amor para com o nosso planeta que nos acolhe em nossa inexorável caminhada evolutiva moral e espiritual.

E, à guisa de arremate final e derradeiro, tomo a liberdade de conclamá-los à reflexão do texto sempre atual de Eduardo Galeano , cuja tradução livre do espanhol para o português foi feita pelo companheiro Sérgio Homrich e eu há 10 anos.

“O Direito ao Delírio

Já está nascendo o novo milênio. Não dá para levar muito a sério o assunto: afinal, o ano 2001 dos cristãos é o ano 1379 dos muçulmanos, o 5114 dos maias e o 5762 dos judeus. O novo milênio nasce num 1º de janeiro por obra e graça de um capricho dos senadores do Império Romano, que um bom dia decidiram quebrar a tradição que mandava celebrar o ano-novo no começo da primavera. E a conta dos anos da era cristã deriva de outro capricho: um bom dia, o papa de Roma decidiu datar o nascimento de Jesus, embora ninguém saiba quando nasceu.

O tempo zomba dos limites que lhe atribuímos para crer na fantasia de que nos obedece; mas o mundo inteiro celebra e teme essa fronteira.

Um convite ao vôo

Milênio vai, milênio vem, a ocasião é propícia para que os oradores de inflamado verbo discursem sobre os destinos da humanidade e para que os porta-vozes da ira de Deus anunciem o fim do mundo e o aniquilamento geral, enquanto o tempo, de boca fechada, continua sua caminhada ao longo da eternidade e do mistério.

Verdade seja dita, não há quem resista; numa data assim, por arbitrária que seja , qualquer um sente a tentação de perguntar-se como será o tempo que será. E vá-se lá o tempo que será. Temos uma única certeza: no século 21, se ainda estivermos aqui, todos nós seremos gente do século passado e, pior ainda, do milênio passado.

Embora não possamos adivinhar o tempo que será temos, sim, o direito de imaginar o que queremos que seja. Em 1948 e em 1976, as Nações Unidas proclamaram extensas listas de Direitos Humanos, mas a imensa maioria da humanidade só tem o direito de ver, ouvir e calar. Que tal começarmos a exercer o jamais direito de sonhar? Que tal delirarmos um pouquinho? Vamos fixar o olhar num ponto além da infâmia para adivinhar outro mundo possível: o ar estará livre de todo o veneno que não vier dos medos humanos e das paixões humanas; nas ruas, os automóveis serão esmagados pelos cães; as pessoas não serão dirigidas pelos automóveis, nem programadas pelo computador, nem compradas pelo supermercado e nem olhadas pelo televisor; o televisor deixará de ser o membro mais importante da família e será tratado como o ferro de passar e a máquina de lavar roupas; as pessoas trabalharão para viver, em vez de viver para trabalhar; será incorporado aos códigos penais o delito da estupidez, cometido por aqueles que vivem para ter e para ganhar, em vez de viver apenas por viver, como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca; em nenhum país serão presos os jovens que se negarem a prestar o serviço militar, mas irão para a cadeia os que desejarem prestá-lo; os economistas não chamarão nível de vida o nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida a quantidade de coisas; os cozinheiros não acreditarão que as lagostas gostem de ser fervidas vivas; os historiadores não acreditarão que os países gostem de ser invadidos; os políticos não acreditarão que os pobres gostem de comer promessas; a solenidade deixará de ser uma virtude; a morte e o dinheiro perderão seus mágicos poderes, e nem por falecimento ou fortuna o canalha será transformado em virtuoso cavalheiro; ninguém será considerado herói nem idiota por fazer o que crê seja justo, em lugar de fazer o quem mais lhe convém.

O mundo já não se encontrará em guerra contra os pobres, mas sim contra a pobreza, e a indústria militar não terá outro caminho senão declarar a falência. A comida não será uma mercadoria, nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos. Ninguém morrerá de fome porque ninguém morrerá de indigestão. As crianças de rua não serão tratadas como se fossem lixo, porque não haverá crianças de rua. Os meninos ricos não serão tratadas como se fossem dinheiro porque não existirão meninos ricos; a educação não será um privilégio de quem possa pagá-la; a polícia não será a maldição de quem não possa comprá-la; a justiça e a liberdade, irmãs siamesas, condenadas a viver separadas, tornarão a unir-se, bem juntinhas, ombro-a-ombro; uma mulher, negra, será presidenta do Brasil e outra mulher, negra, será presidenta dos Estados Unidos da América; uma mulher indígena governará a Guatemala e outra o Perú; na Argentina, as loucas da Praça de Mayo serão o exemplo de saúde mental porque se negaram a esquecer dos tempos da amnésia obrigatória; a Santa Madre Igreja corrigirá os erros das tábuas de Moisés, e o sexto mandamento ordenará que se festeje o corpo; a Igreja também ditará outro mandamento, do qual Deus se esqueceu: “amarás a natureza da qual fazes parte”; serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma; os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque eles são os que se desesperaram de tanto esperar e os que se perderam de tanto procurar; seremos compatriotas de todos os que tenham vontade de justiça e vontade de beleza, tenham nascido onde tenham nascido e tenham vivido onde tenham vivido, sem que importe nem um pouco as fronteiras do mapa ou do tempo; a perfeição continuará sendo um aborrecido privilégio dos deuses; mas, neste mundo confuso e fastidioso, cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro.”
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